Hierarquia de Geossistemas (Parte 1): Epigeosfera

O ambiente natural está organizado de modo a compor uma hierarquia de entidades antecedentes e consequentes. Este é um dos princípios da teoria dos geossistemas. Significa que o nosso planeta é composto por partes que possuem partes menores, que possuem partes menores ainda e assim por diante.

Sabe-se, há pelo menos 2500 anos, que o planeta é dividido em zonas conforme a latitude (temperadas, polares, tropical) e que em cada uma delas os processos ecológicos (formação dos solos, dinâmica florestal) e também os morfoclimáticos (intemperismo, erosão, deposição) são diferentes. Hoje já sabemos que estas zonas variam mais em função do regime de radiação solar do que em função da latitude propriamente dita.

Do mesmo modo, em montanhas muito altas, à medida que nos elevamos percebemos uma mudança nas condições ecológicas e geomorfológicas gerais, similar ao que acontece quando nos afastamos do equador em direção aos polos. Isto também já se sabe pelo menos desde que o cardeal Pietro Bembo escreveu o De Aetna em 1496.

No final do século 19, o naturalista russo Vasiliy V. Dokuchaev deu a estas divisões do planeta o nome de zonas horizontais (em função da latitude) e verticais (em função da altitude), respectivamente, lançando as bases da Teoria das Zonas Naturais, um embrião do que viria a ser a teoria dos geossistemas.

Posteriormente, alunos de Dokuchaev e outros geógrafos russo-soviéticos, desenvolveram princípios que permitiam identificar subdivisões das zonas naturais. Estas subdivisões viriam a auxiliar o entendimento da organização hierárquica dos geossistemas.

Esta organização hierárquica já foi percebida por outros autores como Ab'Saber (2003), que distingue Domínios de Natureza e famílias de ecossistemas, como Walter (1986) que distingue biomas (zonobiomas, orobiomas, pedoiomas, etc.) e complexos biogeocenóticos. Outro exemplo é o caso de Bertrand (1972), que propõe as seguintes divisões: Zona, Domínio, Região Natural, Geossistema, Geofácies e Geótopo.

Na antiga União Soviética, um dos modelos hierárquicos mais aceitos foi construído por Anatoliy Gregorievich Isachenko, tendo incorporado elementos descritos por Nikolai A. Solntsev. Este modelo tem como sua unidade maior a superfície terrestre ou epigeosfera. A menor unidade é denominada fácies. Entre epigeosfera e fácies podem ser identificadas diversas categorias de unidades naturais (ou unidades físico-geográficas, ou ainda, geossistemas).

A superfície terrestre (epigeosfera ou ainda, geossistema planetário) caracteriza-se como um sistema com propriedades que surgem a partir da interação dos processos formadores da crosta (litosfera) com aqueles condicionados pela atmosfera terrestre. Nesta porção do planeta surgem os processos físico-geográficos (ciclo hidrológico, processos erosivos e processos ecológicos como a formação dos solos e a dinâmica florestal).

Como vimos, estes processos variam primordialmente em função do regime de radiação solar incidente, mas também em função da altitude. Isto nos permite delinear dois princípios gerais para caracterização dos geossistemas, que Isachenko (1973, 1991) denominou de princípios de zonalidade (em função da radiação e circulação geral da atmosfera) e azonalidade (em função da altitude).

Considerando isto, a diferenciação da epigeosfera em geossistemas menores é realizada pelo cruzamento de informações zonais e azonais. Em seu método de identificação, Isachenko propôs que inicialmente sejam identificadas unidades zonais e azonais e depois que estas sejam cruzadas, de modo a evidenciar os diferentes níveis de organização dos geossistemas. 

No próximo post iremos descrever o modelo classificatório russo-soviético para unidades de dimensões regionais.

Até breve!

Referências
AB’SÁBER, A. N. Os domínios de natureza no Brasil: potencialidades paisagísticas. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003. 159p.

BERTRAND, G. Paisagem e Geografia Física global: um esboço metodológico. Caderno de Ciências da Terra. N.13. São Paulo. IGUSP. 1972. 27p.

ISACHENKO, A.G. Ciência da Paisagem e Regionalização Físico-Geográfica. Moscou: Vyshaya Shkola. 1991. 370p. Em russo.

ISACHENKO, A.G. Principles of Landscape Science and Physical Geographic Regionalization. Melbourne. 1973. 311p.

WALTER, K.H. Vegetação e zonas climáticas: tratado de ecologia global. São Paulo: E.P.U., 1986, 325p.

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