A Parábola dos Dois Relojoeiros


Que me seja permitido começar com uma parábola. Devo-a ao Prof. H. A. Simon, desenhista de computadores lógicos e de máquinas de jogar xadrez, mas tomei a liberdade de elaborá-la.

Havia dois relojoeiros suíços, chamados Bios e Mekhos, que fabricavam relógios muito finos e caros. Seus nomes parecem um pouco estranhos, mas os respectivos genitores tinham ligeiras noções de grego e gostavam de enigmas. Embora os relógios que fabricavam tivessem igualmente grande procura, Bios prosperava, ao passo que Mekhos lutava e apenas conseguia viver. Finalmente, Mekhos teve que fechar sua oficina e empregar-se como mecânico de Bios. Os habitantes da cidade discutiram durante muito tempo sobre as causas desse fato, e cada um tinha uma teoria diferente a apresentar, até que a verdadeira explicação transpareceu e se revelou ser ao mesmo tempo simples e surpreendente.

Os relógios que eles fabricavam contavam cerca de mil peças cada um, mas os dois rivais usavam métodos diferentes para montá-los. Mekhos montava os seus relógios peça por peça, como se estivesse fazendo um piso de mosaicos de pedrinhas coloridas. E, assim, todas as vezes que êle era per turbado no seu trabalho e tinha que deixar de lado, um relógio parcialmente montado, este se desfazia em fragmentos, e êle tinha que começar de novo tudo do princípio.

Bios, por outro lado, concebeu um método de fazer relógios construindo, de partida, subconjuntos de montagem, constantes de dez componentes, que êle reunia em uma unidade independente. Dez desses subconjuntos eram ajustados em um subsistema de ordem mais elevada, e dez desses sub-sistemas constituíam o relógio completo. Ficou provado que esse método tinha duas grandes vantagens.

Em primeiro lugar, toda vez que havia uma interrupção ou ocorria um distúrbio qualquer e Bios tinha que deixar de lado, ou mesmo, deixar cair, o relógio em que estava trabalhando, este não se decompunha em seus fragmentos elementares; em vez de começar tudo de novo, êle tinha apenas que remontar aquele determinado subconjunto no qual estava trabalhando na ocasião, de tal maneira que, na pior das hipóteses (se a perturbação se verificava quando, êle estava perto de acabar um subconjunto), tinha que repetir nove operações de montagem e, na melhor hipótese, nenhuma. Ora, é fácil demonstrar matematicamente que, se um relógio consistisse em mil peças, e se uma interrupção ocorre em média uma vez em cada cem operações de montagem, Mekhos levava quatro mil vezes mais tempo para montar um relógio do que Bios.

Em vez de precisar de um dia para isso, ele precisará de onze anos, se substituirmos as peças mecânicas por aminoácidos, moléculas de proteína, organelas e assim por diante, a relação entre as duas escalas de tempo torna-se astronômica. Com alguns cálculos se demonstra que toda existência da terra seria insuficiente para produzir mesmo uma ameba, a menos que Mekhos se converta ao método de Bios e proceda hierarquicamente, de subconjuntos simples para os mais complexos. Simon conclui: “Os sistemas complexos se desenvolverão dos sistemas simples com muito mais rapidez, se houver formas intermediárias instáveis, do que não as havendo. As formas complexas resultantes no primeiro caso serão hierárquicas. Basta estender um pouco o argumento para explicar a predominância das hierarquias entre os sistemas complexos que a natureza apresenta. Entre as formas complexas possíveis, as hierarquias são as únicas que têm tempo de evoluir.”

Uma segunda vantagem do método de Bios é naturalmente o fato, de que o produto acabado é incomparavelmente mais resistente a quaisquer avarias e muito mais fácil de conservar, regular e reparar do que os instáveis mosaicos de parcelas atômicas de Mekhos. Não sabemos que formas de vida se desenvolveram nos outros planetas do universo, mas podemos admitir com segurança que onde há vida, esta deve ser hierarquicamente organizada.

Fonte:
Koestler, A. O fantasma da máquina. Rio de Janeiro: Zahar. 1969. p.57-59.





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